Da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência: “Esperamos justiça, agora que o clima de “heroísmo da polícia” acabou e a realidade aparece”.
Hoje (23/02) irá a julgamento o policial militar Marcos Duarte Ramalho, acusado pelo assassinato, em 16/04/2003, de quatro jovens na favela do Borel, na Tijuca, no episódio que gerou grande mobilização popular e ficou conhecido comoChacina do Borel.
A luta dos familiares das vítimas, da comunidade e de movimentos em defesa dos direitos humanos conseguiu o que na época ainda era raro: levar policiais envolvidos em execuções sumárias a responderem por seus crimes. Cinco PMs foram denunciados por homicídio e tentativa de homicídio. Entretanto, receberam um apoio muito suspeito, e contrataram para sua defesa Clóvis Sahione, um dos mais caros e polêmicos advogados do Rio de Janeiro, acostumado a usar todo tipo de manobras e subterfúgios legais e ilegais para defender acusados em casos graves de assassinatos e corrupção, como o general Newton Cruz, o médico Hosmany Ramos, a atriz Dorinha Duval e o fiscal de renda Rodrigo Silveirinha, principal acusado no escândalo do propinoduto. Mais tarde, os policiais contrataram outro advogado muito caro, Amaury Jorio.
Contando com essa “equipe de defesa” e com o preconceito social contra a favela, os negros e os pobres, que se reflete na opinião dos jurados, os policiais conseguiram inicialmente se livrar da justiça. Dois PMs (Sidnei Pereira Barreto e Rodrigo Lavandeira Pereira) foram absolvidos nos primeiros julgamentos. Somente em 18/10/2006 veio a primeira condenação, do cabo Ramalho, sentença confirmada em segundo julgamento, mas que em março de 2009, foi anulada por decisão da 5a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, contrariando o parecer da relatora, a desembargadora Maria Helena Salcedo. Ramalho, que já vinha cumprindo pena, foi libertado e será julgado novamente agora.
Os policiais que executaram os quatro jovens e quase mataram um quinto, dispararam com armas de grosso calibre (fuzis) a pouca distância, o que é uma técnica habitualmente utilizada nas execuções sumárias, pois desta maneira os projéteis atravessam os corpos e não ficam alojados como prova. Mesmo assim, os exames cadavéricos e os laudos balísticos executados pela perícia conseguiram recuperar pequenos fragmentos nos ossos das vítimas e provar que os tiros partiram das armas de alguns dos policiais. Uma das armas cujo exame balístico foi positivo foi usada no crime pelo PM Paulo Marco da Silva Emilio, que foi julgado no dia 29/11/2010. O julgamento aconteceu menos de uma semana depois do início das operações policiais em reação a assaltos e incêndios de automóveis na cidade, e dois dias após aocupação militar e policial das favelas dos Complexos da Penha e do Alemão, no final do ano passado.
Embora todas as provas e evidências apontassem para a condenação de Emilio, a defesa do policial usou e abusou do clima existente, e estimulado pela grande imprensa, de “guerra da polícia heróica pela pacificação do Rio”, não apresentou argumentos factuais, fez um verdadeiro teatro, explorando ao máximo os preconceitos e emoções superficiais dos jurados. O próprio Emílio compareceu ao júri trajando uniforme operacional e colete à prova de balas, como estivesse vindo diretamente do “campo de batalha” para o julgamento. Como resultado, o PM acabou sendo absolvido, embora não por unanimidade (4 jurados contra 3), e a manipulação foi tão absurda que os jurados que votaram pela absolvição responderam inclusive, num dos quesitos, contra a prova dos autos, que a arma de Emílio não havia atingido nenhuma das vítimas!
Hoje, menos de três meses depois, em conseqüência das denúncias e prisões deflagradas pela Operação Guilhotina da Polícia Federal, nem mesmo a grande imprensa que glorificou as operações e ocupações do final do ano passado, tem como negar o que nós da Rede contra a Violência desde o dia 27/11/2010, e outras organizações pouco depois, denunciávamos: estavam acontecendo violações em massa dos direitos das pessoas, inclusive execuções sumárias, torturas e uma verdadeira pilhagem (roubos) a casas e lojas nas comunidades. Alguns dos policiais que tiveram a prisão decretada fazem parte de grupos paramilitares da Zona da Leopoldina, envolvidos com crimes que a Rede vem denunciando há tempos, como o seqüestro e assassinato do jovem Michel Antônio de Oliveira da Silva em 05/04/2008.
Sabemos que o esquema de corrupção, crime organizado e violência, envolvendo policiais militares e civis, mas também políticos, empresários e funcionários públicos, é muito maior que o revelado pela Operação Guilhotina e outras que a antecederam. Também sabemos que somente a organização e a mobilização popular, em primeiro lugar a luta incansável das vítimas e familiares de vítimas da violência do Estado, é capaz de obrigar o poder público a remexer suas próprias entranhas e revelar este esquema corrupto e violento.
Por isso convocamos todas e todos a estarem mais uma vez presentes num julgamento, nos solidarizando com os familiares do caso do Borel e exigindo a condenação mais uma vez do PM Ramalho, mais um passo na luta por justiça e por uma sociedade livre da violência e da desigualdade. O julgamento será às 13h no 2o Tribunal do Júri, e estaremos nos concentrando a partir das 12h em frente ao Fórum do Rio (Av. Pres. Antônio Carlos).
Mais informações:
Rede contra a Violência – tel. 2210-2906
Comissão de Comunicação da Rede contra a Violência
http://www.consciencia.net/
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