sábado, 19 de novembro de 2011

IDENTIDADE EMISSÃO DA IGREJA EVANGÉLICA DO BRASIL

Identidade e Missão da Igreja Evangélica Brasileira em 2040

por Paul Freston

A Aliança Cristã Evangélica Brasileira (ACEB) tem enfatizado os temas “unidade, identidade e missão”. Quero pensar brevemente nos temas “identidade” e “missão”, à luz do provável futuro da igreja.

Saiu recentemente nos jornais o resultado de uma pesquisa do IBGE com dados interessantes sobre a realidade evangélica. A categoria evangélica que mais cresce é o ‘evangélico sem igreja’. Mas a maior parte dessa categoria não é de evangélicos ‘nominais’ (que não frequentam igreja), mas de pessoas que não se identificam com esta ou aquela denominação. Talvez frequentem várias igrejas sem se definir por uma. Existe, então, um setor crescente de pessoas que se identificam como evangélicas mas não como sendo de uma determinada denominação.

Mas há outra tendência que logo vai aparecer. As pesquisas recentes indicam que a porcentagem de evangélicos continua crescendo. Não no ritmo altíssimo dos anos 90, mas voltando ao ritmo que caracterizou as décadas anteriores. Mas um dia vai parar de crescer. Digo isto, não por “falta de fé” mas porque as tendências indicam que o fim do crescimento pode não estar distante. De cada duas pessoas que deixam de se considerar católicas, apenas uma (e pouco) passa a se considerar evangélica. Além disso, a Igreja Católica não vai continuar perdendo gente para sempre. Há formas de catolicismo (como a Renovação Carismática) que arrebanham muitas pessoas. Pelas tendências atuais, vai ser muito difícil que os evangélicos (hoje talvez uns 20%) passem de 35% da população.

Logo passaremos, então, a uma nova fase da existência evangélica no Brasil. Estamos desde os anos 50 na fase do crescimento rápido, o que significa que a igreja média tem pouca gente que nasceu evangélica mas muita gente que se converteu, inclusive recentemente. Quando terminar essa fase (provavelmente nas próximas duas ou três décadas), haverá outro perfil: mais gente que ‘nasceu na igreja’ e menos gente que acabou de se converter. Com isso, mudará o perfil de liderança eclesiástica exigida. O crescimento rápido privilegia o líder capaz de atrair membros novos.
Sempre haverá espaço para esse tipo de líder mas, com a estabilização numérica, haverá mais espaço também para outras modalidades. Não devemos ter uma linha de montagem de líderes; precisamos de uma variedade de ministérios, uma variedade de tipos de líder.

Por que no futuro isso será ainda mais importante? Porque quando as igrejas crescem muito, a exigência é mais para fazer bem o bê-a-bá, porque há sempre gente nova chegando. Mas quando há uma comunidade mais estabilizada, com mais pessoas com muito tempo de vivência evangélica, outras exigências ganham força. Como desenvolver a vida cristã? O que significa ser discípulo em todas as dimensões da vida? O que a fé evangélica tem a dizer sobre tais e tais questões? Haverá, então, mais exigência por um ensino variado, e por pessoas que saibam falar para a sociedade em nome da fé evangélica. Precisaremos de gente preparada nas mais diversas áreas de interface com a sociedade; portanto, necessitaremos ministérios cada vez mais diversificados. Esse tipo de líder não aparece da noite para o dia; a formação leva tempo. O carisma e o auto-didatismo não bastam nesses casos.

Além disso, ganhará importância a questão da transparência. Além de demanda do evangelho, esperamos que o Brasil de 2040 tenha uma democracia mais transparente. Os líderes evangélicos do futuro terão que ter vidas pessoais capazes de ser examinadas. Uma liderança mais exposta e vulnerável será exigida. Mas o que produz esse tipo de líder não são as técnicas, mas um processo profundo de formação pessoal, que leva tempo.

Se não houver pessoas à altura, é possível que, quando terminar o crescimento rápido, em vez de uma comunidade estabilizada durante gerações e tendo um efeito benéfico no país, haja logo um decréscimo na porcentagem de evangélicos. Aliás, se não nos prepararmos hoje para os desafios de amanhã, a probabilidade é que esse declínio aconteça.

Portanto, o primeiro grande desafio de hoje em função do futuro é a formação de líderes com ministérios diversos mas sempre humildes e com vidas transparentes. E o segundo desafio é a recuperação da Bíblia. A identidade evangélica não deve estar ligada meramente a uma tradição que se chama evangélica. Pelo contrário, ser evangélico significa a vontade de ser verdadeiramente bíblico, em todas as dimensões da vida com Cristo. Mas perdemos muito o sentido de ser bíblico
ultimamente. É muito raro ouvir sermões realmente embasados na Bíblia, que deixem o texto falar para depois fazer as aplicações para a nossa vida pessoal, comunitária e social. Esse tipo de mensagem necessita formacão, preparo, pensamento, meditação. E, na fase atual do crescimento rápido, é mais fácil apenas se preocupar em ter igreja cheia.

No futuro próximo, porém, esse enfoque será mais necessário. Se não recuperarmos a capacidade de deixar o texto bíblico falar e a partir disso tirar as implicações individuais, eclesiásticas e nacionais, seremos irrelevantes. Mas essa capacidade é outra coisa que não se constrói da noite para o dia. É necessário exigir que nossos líderes ensinem a Bíblia, interagindo profundamente com o texto bíblico. Mas o bom ensino na igreja precisa ser complementado pela leitura individual, comprando mais livros que nos embasem biblicamente.

O processo, portanto, tem que começar com os membros comuns, exigindo uma qualidade melhor de ensino e literatura. Porque a nova liderança para fazer frente aos desafios de 2040 só surgirá se houver uma demanda articulada a partir dos membros.

Nessa recuperação da Bíblia, insisto na centralidade dos Evangelhos. Muitas vezes se comenta que a fé evangélica se tornou prisioneira da “cultura religiosa da barganha”. Ora, a melhor maneira de combater a cultura da barganha não é apenas criar a dedicação abnegada a causas cristãs. Antes, é o encantamento com a humildade amorosa da figura humana de Cristo retratada nos quatro Evangelhos. O melhor antídoto para a cultura da barganha é o fascínio com a figura de Cristo, criado pelo estudo sério dos Evangelhos.

A igreja evangélica brasileira de 2040 precisará, portanto, de líderes mais diversos nos seus dons, profundos no seu conhecimento e sabedoria, e transparentes nas suas vidas; e precisará ter redescoberto o verdadeiro sentido de ser evangélico, que é a vontade de ser profundamente bíblico. E esses dois requisitos somente existirão se a igreja de hoje (com a ACEB à frente!) tomar as medidas necessárias.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

TOLERÂNCIA ZERO

Tolerância zero
Merece ser comemorada a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, das alterações que tornam a aplicação da Lei Seca mais rigorosa no país. O Congresso seguiu clamor que emanava da sociedade em prol da proteção da vida. Resta o governo fazer a sua parte e cuidar da condição das vias de trânsito.
Em fins de setembro, o Supremo Tribunal Federal já decidira que dirigir bêbado é crime, envolvendo-se ou não o motorista em acidente de trânsito. Faltava, porém, eliminar brechas legais - como a possibilidade de não submeter-se aos testes de bafômetro - que permitiam a condutores alcoolizados escapar de punições.
Pela proposta aprovada ontem pelos senadores, torna-se crime dirigir sob efeito de qualquer teor de álcool no sangue. Atualmente, o mínimo imputável são 6 decigramas de álcool por litro de sangue, quantidade atingida com o consumo de uma lata de cerveja ou uma taça de vinho.
Os policiais também passam a poder comprovar a embriaguez dos condutores de veículos por outros meios e/ou evidências que não apenas o bafômetro, contornando a recusa de motoristas de produzir provas contra si mesmos.
Também foram elevadas consideravelmente as penas previstas. As punições dependerão da gravidade do acidente: se resultar em lesão corporal gravíssima, a pena varia de 6 a 12 anos de prisão; se for grave, de três a oito anos; e se for lesão corporal, de um a quatro anos. Para quem dirigir bêbado e matar, a pena pode chegar a 16 anos.
O texto ainda será submetido à apreciação da Câmara dos Deputados. Se for mantido como saiu do Senado, a pena mínima para quem mata ao volante após beber será maior do que para quem comete homicídio doloso a tiro, por exemplo, como salienta a Folha de S.Paulo: "O homicídio simples (artigo 121 do Código Penal) prevê de seis a 20 anos de prisão. (...) O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro inclui pena de oito a 16 anos".
O endurecimento da legislação chega em boa hora. A Lei Seca completou três anos em junho passado e, de acordo com as estatísticas mais recentes, vem perdendo a sua eficácia no combate à violência no trânsito. Morre-se hoje como nunca no Brasil vítima de acidentes automobilísticos.
No ano passado, foram 40.610 mortes, recorde absoluto na série compilada pelo Ministério da Saúde. Houve aumento de 8% em relação a 2009, com mais 3.016 mortes. São 111 pessoas mortas por dia, ou seja, é como se diariamente despencasse um Boeing no Brasil.
Entre as razões para esta escalada estão o aumento da frota de veículos, sob forte incentivo fiscal do governo federal nos últimos anos; o crescimento dos óbitos de motociclistas, que tiveram a profissão de mototaxista regulamentada na gestão Lula; e, sobretudo, as más condições das rodovias do país.
Junte-se às mortes registradas o elevado número de internações hospitalares em decorrência de ocorrências de trânsito. Apenas no primeiro semestre deste ano, foram 72,4 mil, quase metade delas resultantes de acidentes envolvendo motos. Motociclistas, aliás, formam hoje o maior contingente de vítimas fatais, com 25% do total ou 10.134 em 2010.
Cabe às polícias estaduais coibir os abusos nas cidades. Mas isso não significa que o governo federal não tenha muito a fazer para atacar o problema da violência no trânsito. Precisa, primeiro, aumentar a fiscalização e, concomitantemente, recuperar as péssimas condições de nossas estradas, das quais 27% estão em condições críticas, segundo a Confederação Nacional do Transporte.
A fiscalização nas rodovias tem se revelado falha e colabora muito para o desrespeito à vida. A Polícia Rodoviária Federal opera com déficit de 4 mil patrulheiros, o que corresponde a 40% do pessoal na ativa. Os postos de pesagem, que poderiam evitar o tráfego de caminhões sobrecarregados que deterioram as vias e aumentam a insegurança, não funcionam: dos 240 que deveriam operar, existem apenas 70 construídos e poucos em atividade.
Há quatro anos, radares eletrônicos para controlar o excesso de velocidade em rodovias federais foram desativados, depois que chegou ao fim contrato do governo federal com as empresas que os operavam. Só neste ano o governo recomeçou a instalá-los - num total prometido de 2.696 até 2012. Em locais onde existem, os radares colaboram para reduzir acidentes em 70%.
O Senado fez a sua parte ontem entrando firme na luta contra a impunidade e a violência no trânsito. Espera-se que a Câmara faça o mesmo e torne a lei ainda mais adequada ao que clama a sociedade brasileira. Há 55 mil quilômetros de rodovias esperando para serem mais bem cuidados e não se transformarem em estradas da morte.