Tolerância zero | |
Merece ser comemorada a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, das alterações que tornam a aplicação da Lei Seca mais rigorosa no país. O Congresso seguiu clamor que emanava da sociedade em prol da proteção da vida. Resta o governo fazer a sua parte e cuidar da condição das vias de trânsito. Em fins de setembro, o Supremo Tribunal Federal já decidira que dirigir bêbado é crime, envolvendo-se ou não o motorista em acidente de trânsito. Faltava, porém, eliminar brechas legais - como a possibilidade de não submeter-se aos testes de bafômetro - que permitiam a condutores alcoolizados escapar de punições. Pela proposta aprovada ontem pelos senadores, torna-se crime dirigir sob efeito de qualquer teor de álcool no sangue. Atualmente, o mínimo imputável são 6 decigramas de álcool por litro de sangue, quantidade atingida com o consumo de uma lata de cerveja ou uma taça de vinho. Os policiais também passam a poder comprovar a embriaguez dos condutores de veículos por outros meios e/ou evidências que não apenas o bafômetro, contornando a recusa de motoristas de produzir provas contra si mesmos. Também foram elevadas consideravelmente as penas previstas. As punições dependerão da gravidade do acidente: se resultar em lesão corporal gravíssima, a pena varia de 6 a 12 anos de prisão; se for grave, de três a oito anos; e se for lesão corporal, de um a quatro anos. Para quem dirigir bêbado e matar, a pena pode chegar a 16 anos. O texto ainda será submetido à apreciação da Câmara dos Deputados. Se for mantido como saiu do Senado, a pena mínima para quem mata ao volante após beber será maior do que para quem comete homicídio doloso a tiro, por exemplo, como salienta a Folha de S.Paulo: "O homicídio simples (artigo 121 do Código Penal) prevê de seis a 20 anos de prisão. (...) O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro inclui pena de oito a 16 anos". O endurecimento da legislação chega em boa hora. A Lei Seca completou três anos em junho passado e, de acordo com as estatísticas mais recentes, vem perdendo a sua eficácia no combate à violência no trânsito. Morre-se hoje como nunca no Brasil vítima de acidentes automobilísticos. No ano passado, foram 40.610 mortes, recorde absoluto na série compilada pelo Ministério da Saúde. Houve aumento de 8% em relação a 2009, com mais 3.016 mortes. São 111 pessoas mortas por dia, ou seja, é como se diariamente despencasse um Boeing no Brasil. Entre as razões para esta escalada estão o aumento da frota de veículos, sob forte incentivo fiscal do governo federal nos últimos anos; o crescimento dos óbitos de motociclistas, que tiveram a profissão de mototaxista regulamentada na gestão Lula; e, sobretudo, as más condições das rodovias do país. Junte-se às mortes registradas o elevado número de internações hospitalares em decorrência de ocorrências de trânsito. Apenas no primeiro semestre deste ano, foram 72,4 mil, quase metade delas resultantes de acidentes envolvendo motos. Motociclistas, aliás, formam hoje o maior contingente de vítimas fatais, com 25% do total ou 10.134 em 2010. Cabe às polícias estaduais coibir os abusos nas cidades. Mas isso não significa que o governo federal não tenha muito a fazer para atacar o problema da violência no trânsito. Precisa, primeiro, aumentar a fiscalização e, concomitantemente, recuperar as péssimas condições de nossas estradas, das quais 27% estão em condições críticas, segundo a Confederação Nacional do Transporte. A fiscalização nas rodovias tem se revelado falha e colabora muito para o desrespeito à vida. A Polícia Rodoviária Federal opera com déficit de 4 mil patrulheiros, o que corresponde a 40% do pessoal na ativa. Os postos de pesagem, que poderiam evitar o tráfego de caminhões sobrecarregados que deterioram as vias e aumentam a insegurança, não funcionam: dos 240 que deveriam operar, existem apenas 70 construídos e poucos em atividade. Há quatro anos, radares eletrônicos para controlar o excesso de velocidade em rodovias federais foram desativados, depois que chegou ao fim contrato do governo federal com as empresas que os operavam. Só neste ano o governo recomeçou a instalá-los - num total prometido de 2.696 até 2012. Em locais onde existem, os radares colaboram para reduzir acidentes em 70%. O Senado fez a sua parte ontem entrando firme na luta contra a impunidade e a violência no trânsito. Espera-se que a Câmara faça o mesmo e torne a lei ainda mais adequada ao que clama a sociedade brasileira. Há 55 mil quilômetros de rodovias esperando para serem mais bem cuidados e não se transformarem em estradas da morte. |
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