domingo, 2 de novembro de 2008

Projeto EJA Recomeçar da Cadeia de Cataguases


Projeto EJA Recomeçar

1. Público alvo
Reeducandos da Cadeia Pública de Cataguases – MG
Ensino Fundamental.

2. Apresentação

O tema da educação nas penitenciárias ainda é invisível e, na prática, há pouco estímulo para que o detento estude.
De fato, a oferta de educação nos presídios brasileiros está prevista na Lei de Execuções Penais (LEP) e no Plano Nacional de Educação, mas o assunto foi omitido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que cita apenas a Educação de Jovens e Adultos (EJA), sem mencionar diretamente o ensino no sistema prisional.
O ambiente carcerário é, na verdade, a grande arena onde são vivenciadas as cenas mais aviltantes e grotescas, tendo como protagonista o ser humano que perde temporariamente o direito de ir e vir. Porém o estado tem que garantir os demais direitos inalienáveis do ser humano como o da educação, saúde, alimentação etc.
A chamada subcultura carcerária foi tratada pela primeira vez por Jeremias Bentham, filosofo, economista, jurista e um dos precursores da reforma penal, ao lado de John Howard e Cesare de Beccaria. Dedicando-se a observar atentamente as condições criminogeas da prisão, Betham fez ver que as condições inadequadas dos cárceres, e o ambiente de ociosidade, defraudam os presos de sua honra, dignidade e de seus hábitos laboriosos. Submetido ao despotismo subalterno, o preso assimila linguagens e costumes desde o momento em que ingressa no sistema prisional.
A tecnologia Social deste projeto compreende a metodologia utilizada a partir da
educação, no sentido mais amplo da palavra, é o que transforma o indivíduo, abre portas, e o que ensina que há outros meios de se resolver e entender uma situação, que não pela brutalidade do crime. Após anos e anos evangelizando nas cadeias, percebi que oração sem ação é tapeação. Foi quando também, ao começar a recolher as mensagens para o Jornal Recomeço, percebi que muitos não escreviam porque não sabiam.

E como ajudá-los? Em algumas celas uns escreviam para o outro, mas sempre ficava devendo e tinha que pagar de alguma forma, às vezes cedendo o pão, a mistura da quentinha ou até mesmo a quentinha, a faxina da cela, etc.

Em contato com a CUT e o Projeto “Todas as Letras” do programa Brasil Alfabetizado, percebi que era a chance para que de forma oficial as autoridades se sensibilizassem com a causa. Este foi o grande desafio, era como “matar um leão por dia”, infinito e até indizíveis barreiras foram colocadas como empecilho para impedir o direito constitucional à educação.

3. Justificativa

O resgate da auto-estima é uma das diretrizes do projeto.

O reconhecimento das práticas culturais e sociais dos alunos e da comunidade local devem ser respeitadas.

E a complexidade da diversidade na vida dos sujeitos sociais, levando em conta um contexto marcado pelo preconceito e exclusão social.

Garantido a função social da educação como um processo contínuo de formação, ao longo da vida.

Assim, para se concretizar como direito inalienável do cidadão, em consonância com o artigo 1º da LDBEN - Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional -, a prática social da educação deve ocorrer em espaços e tempos pedagógicos diferentes, para atender as diferenciadas demandas.

4. Objetivos

- O resgate da auto-estima, a fim de abrandar o trinômio crime-cadeia-castigo, permitindo desvendar os efeitos danosos do despojamento da liberdade.

- A educação como instrumento de acesso a outros direitos, como escrever cartas à família e para acompanhar o andamento dos processos.

- A educação deve ser vista como um direito, não só para a reintegração. Claro que isso é muito importante, mas se a reintegração for impossível, a educação continua a ser um direito. Não devemos instrumentalizar a educação unicamente para um papel social.

- A educação pode ser uma solução se for uma educação ao longo da vida, não apenas do tipo profissional ou a reeducação.

- Para muitos presos é a primeira oportunidade de compreender sua história e de tratar de desenvolver seu próprio projeto de vida.

5. Metodologia

Através do glossário dos detentos, que fui colecionando as palavras ao longo da minha experiência de evangelizar e dar todo o tipo de assistência, que desenvolvi a tecnologia social de alfabetizar utilizando a própria linguagem intramuros da Cadeia, a chamada subcultura carcerária.

Utilizo material didático pedagógico adequado com a realidade local como textos de jornais e revistas. As aulas estimulam a construção de normas de convivência, a prática solidária entre os detentos e o respeito às diferenças individuais, com a prática cotidiana de dinâmicas de convivência e interação social.
Não fico presa a currículo e grades escolares (já chegam as da cadeia).

Bem pouco de ditongo, tritongo, parônimos, homônimos, analise sintática, etc., mas muita leitura e interpretação, discussão de fatos, simulamos júri, tempestades de idéias, perguntas e respostas com músicas, poesias ( eles gostam de aprender para no dia da visita falar para as companheiras).

Através das tarefas do “Para cela” que substitui o para casa, eles complementam a carga horária exigida para a remição da pena.



6. Plano de Trabalho

Planejar e executar ações pedagógicas utilizando recursos da linguagem local e também os temas necessários ao desenvolvimento pessoal e social dos mesmos.

Promover campanhas de “Dia de Cidadania” a fim de tirarem documentos, fazendo parcerias com outros órgãos governamentais.

Promover o mês da família (maio) e no Natal, envolvendo-os com a confecção de mensagens, poesias, desenhos e músicas sobre o tema.



7. Recursos
Com o apoio integral da Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Cataguases, que cede até merenda e todo material escolar e pedagógico.
O apoio incondicional do poder Judiciário através do Juiz de Execução Penal, Dr. Mauro Lucas da Silva, que concede a remição de pena. A cada três dias estudados diminui um dia na pena e isto tem sido um grande incentivo para eles estudarem.
Semestralmente servidores da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais comparecem à cadeia para eles prestarem o Exame Supletivo.
Em concomitância desenvolvemos também dentro da cadeia:
- Projeto Cela de Leitura (Biblioteca com livros doados pela comunidade)
- Jornal Recomeço
- Projeto “Por um Fio” (com menores em conflito com a lei)

8. Conclusão

Foi um duro caminho que tive que percorrer para implantar este projeto. Foram meses dando aula em pé do lado de fora e eles amontoados dentro da cela. Para que eles pudessem escrever, fizemos bancos tipo mesa de garrafas PET, meu quadro negro eram as costas de cartazes e papel pardo.
Quando mudou a direção da cadeia, o novo diretor permitiu que fôssemos para o pátio. Quando chove, ficamos espremidos em um corredor, e mais todas as dificuldades inerentes ao local em questão.
Mas os frutos valem a pena. Tivemos alguns alunos que fizeram concurso público com sucesso, outros estão matriculados em escolas regulares, outros estão freqüentando ONGs que ajudam a se libertarem da dependência química (motivo que tem trazido muitos para o mundo do crime).
Quatro alunos já concluíram o Ensino Fundamental dentro da cadeia.
Levando-se em conta que não é uma penitenciária e sim uma cadeia, os resultados ainda são tímidos, mas muito animadores, devido a total falta de infra-estrutura e apoio de vários órgãos e servidores públicos.

Glossário dos detentos da cadeia de Cataguases - MG
Abandona – deixa pra lá
Agradecido – muito obrigado
Anistia – lingüiça
Areia-Açúcar
Bailarina – caneta
Baixo – privada
Balde – copo
Barraco – a cela
Bobo – relógio
Boi – vaso sanitário
Bolado – triste
Bolo -
Boró – fumo desfiado, fumo de rolo.
Brasa – isqueiro
Capa – grade da frente da cela, porta da cela.
Cara – um pouco
Catuco – bilhete
Comédia – pessoa que aparenta ser o que não é.
Correria – prestar um favor, ou seja, desenrolar algo que está para resolver.
Coruja – cueca
Crânio – cabeça
Dalva – marmitas
De humilde – de coração, por gosto.
Ducha – banho
Embaçado – com problemas
Enxada -
Fruta de macaco – banana
Giz – cigarro
Graxa – pasta de dente
Já é – tudo certo, ok.
Jack – quem comete crimes de ordem sexual
Jega – cama
Kaô – conversa fiada
Kepe – boné
Marroco – pão
Mastigo – algo para comer
Miolo – centro da cela
Moca - café
Na palavra – ler a Bíblia
Pá – colher
Pagar pau – pagar “mico”
Pano – homossexual
Passar o pano – ler
Peça – roupa
Peleja – cobertor
Pisante – tênis
Placa –
Praia – o chão da cela
Prestobarba -
Queto – pano de fechar a jega (cama)
Radinho – telefone
Ratão – tenda de cobertores fechada para encontros íntimos
Sol – lâmpada
Teresa – tira de pano, corda de trapos.
Tirar a pena – cumprir a pena
Vai na mão – emprestar, dar.
Vaquinha – leite
Vassoura – escova de dente
Ventana – janela da cela
x-nove - delator
Zoião – ovo

Leopoldina,30 de outubro de 2008
AUTOR: Elizabeth de Almeida Silva
Depoimento pessoal: Durante estes anos em convivência diária com os reeducandos, aprendi mais do que ensinei, as vezes agente constrói prisões fora das grades, e lá mesmo dentro das grades num ambiente degradante e miserável, eles conseguem superar quando eu chego eles fazem uma festa fazem musica para mim, escrevem mensagens emocionantes para o Jornal Recomeço, me chamam de Tia Beth, durante anos de magistério eles são com certeza os melhores alunos que já tive.
Fico desconsolada quando vejo chegar algum que dei aula nas escolas regular, me sinto impotente, ou até mesmo quando algum deles retorna depois de ter passado pelo projeto.
Conforme estatística que realizo anualmente depois de três anos de projeto, menos de meia dúzia retornaram ao mundo do crime.
OBS. Não tenho vídeo gravado por motivo de segurança.

Um comentário:

Isabella Teodoro disse...

Existe a possibilidade de fazer uma entrevista com uma professora do EJA no sistema prisional para um trabalho de historia oral da faculdade. Estou muito interessada na temática.
Se puder ajudar, fico grata.

meu email: teodoro.isabella@aluno.ifsp.edu.br ou isateodoro1609@gmail.com
meu telefone/ whatsapp (12)99226-0000