Fragilidade e exceção - Artigo Marina Silva no Terra Magazine07h24 Brasília (DF)
Há vinte e dois anos existe no Brasil o Programa de Controle do Ar por Veículos Automotores, o Proconve, siglaum tanto desconhecida mas que representa uma das maiores vitórias em termos de política pública no País. OProconve atravessou vários governos cumprindo rigorosamente metas de controle de poluição e gerando benefíciosextraordinários para a saúde de milhões de pessoas que vivem nas cidades.Foi criado em 1986 pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), com o objetivo de reduzir gradualmente aemissão de poluentes provocada por veículos leves e pesados, adaptando padrões de qualidade dos paísesdesenvolvidos à realidade brasileira. Nas primeiras fases os veículos leves tiveram prioridade, dado seu maiornúmero no meio urbano. Foram eliminados os modelos mais poluentes e introduzidas novidades como a injeçãoeletrônica, os catalisadores e a mistura do etanol na gasolina, numa proporção inédita no mundo.Em vinte anos, o programa conseguiu reduzir a emissão de poluentes em mais de 90% nos automóveis. Nos últimosanos, chegou-se à fase da prioridade aos veículos pesados. Segundo determinação do Conama, a partir de janeirode 2009 esses veículos deveriam estar adaptados a um padrão mais rigoroso de emissão de poluentes,aproximando-se do que é exigido na Europa. Para isso, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) deveria ter apresentado, em janeiro de 2006, as especificaçõesnecessárias - o que só foi acontecer em novembro de 2007. O não cumprimento do prazo, por parte da ANP,provocou uma quebra na ação do Proconve, o que nunca tinha acontecido em 22 anos. A Petrobras, por sua vez, nãoviabilizou os investimentos indispensáveis e as montadoras não realizaram os testes dos motores.O ministério do Meio Ambiente, em várias administrações, e os órgãos estaduais de meio ambiente sempre fizeramtodo o esforço para o sucesso do programa. Não foi suficiente. A responsabilidade não foi assumida pelos demaisórgãos do Governo. A sociedade vinha se articulando para cobrar do Poder Público providências que nãorepresentassem a consolidação da política do leite derramado. No início deste ano, após reiteradasmanifestações do MMA e do Ibama, cobrando as providências necessárias para o cumprimento da Lei, participei deevento público realizado em São Paulo por diversas entidades. Elas haviam ingressado com ação na Justiça contraas instituições e gestores responsáveis pelo desleixo e pelo desrespeito à legislação que poderia resultar emprejuízos irreparáveis.Recentemente foi assinado um Acordo que reflete as negociações feitas entre todos os interessados para evitarmaiores danos às metas do programa. Mas o documento não atende às expectativas da sociedade e gerou frustraçãoe uma grande preocupação com o futuro do Proconve. Foi definido um cronograma de introdução do diesel menospoluente, sendo que apenas as frotas de ônibus das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro poderão usufruir jáem janeiro dos benefícios previstos na Resolução do Conama para todas as capitais e regiões metropolitanas. Asdemais regiões serão beneficiadas ao longo dos próximos três anos. Nesse período, será melhorado também odiesel distribuído no interior e a partir de 2012 entrará em vigor nova fase do Proconve.A insatisfação com o Acordo vem da constatação de que as exigências estabelecidas estão aquém do prejuízoprovocado. Há que se refletir sobre os limites que precisamos estabelecer quando buscamos resolver problemasambientais pela lógica das compensações, que não podem ser vistas como panacéia para o desvio da condutacorreta e desejável.É preciso avaliar a razoabilidade de compensar a maior emissão de poluentes nas regiões metropolitanas, com aredução em regiões distantes dos grandes centros urbanos, onde a dispersão se dá em melhores condições. Seriacomo uma situação na qual o gás está inundando uma sala e é feito um plano de contingência para dispersá-lo aolongo de 24 horas, sem bloquear o acesso à sala. Nesse plano, apenas 10% do gás é dispersado nas primeiras dozehoras e todo o restante na segunda metade do tempo. No final, matematicamente, tudo correu segundo os cálculos,mas quem estava na sala nas primeiras doze horas sofreu as conseqüências de forma diferente de quem chegou depois.Creio que o ponto a que chegamos caracteriza a quebra de confiança e do compromisso ético e institucional quefazia do Proconve uma experiência emblemática. Há que se reconhecer o esforço de vários interlocutores paralevar a negociação a bom termo, mas sem dúvida ficou uma sensação de fragilidade e exceção que pode vir acomprometer todo o futuro do programa, caso as responsabilidades não sejam devidamente apuradas.
Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do
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