sábado, 15 de janeiro de 2011

MEIO AMBIENTE TEMA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE


Cuidando do jardim - a palestra do teólogo José Adalberto Vanzella:

As atividades do Curso de Verão do CESEP começaram com uma participação de representantes da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência, que relataram o desafio que pode ser a simples decisão de participar de um evento como esse. Contudo, dispostos a não se enclausurar, o grupo enfrentou os possíveis obstáculos de acessibilidade, na esperança de que as instalações do curso e seus participantes também estivessem dispostos a acolhê-los. “Quando se fazem adaptações, isso demonstra que somos convidados a participar. A deficiência não nos atrapalha. O que atrapalha é a sociedade não ter consciência que é só colaborar que tudo acontece”. Mas, como a sociedade pode colaborar com a inclusão do deficiente? Simples. Basta perguntar a um deficiente: “Você precisa de ajuda?” Ele dirá sim ou não e como é possível ajudá-lo, pois cada deficiência requer um tipo diferente de cuidado e colaboração.

O padre José Beozzo, coordenador do CESEP, agradeceu à participação da Fraternidade nos cursos de verão, que permitido ao CESEP aprender como proporcionar melhores formas de acessibilidade e inclusão: “A presença de vocês tem sido uma graça para o Curso de Verão. Vocês têm nos educado e mudado a cara do curso”.
O dia foi reservado a discutir a temática da Campanha da Fraternidade de 2011, que tem como tema “Fraternidade e Vida no Planeta” e como lema o versículo 22 do capítulo 8 do livro de Romanos: “A criação geme em dores de parto”. Convidado a debater o tema o teólogo José Adalberto Vanzella, que foi assessor eclesiástico para a Campanha da Fraternidade no Regional Sul 1 da CNBB. Atualmente, é Secretário Executivo do Regional Nordeste 5 (Maranhão) da CNBB.
José começou fazendo uma crítica da escolha do lema da Campanha, que lhe pareceu muito ligado a uma visão escatológica, podendo levar a população a pensar que a temática não diz respeito ao cuidado que devemos ter aqui e agora com a vida no planeta. Por isso, preferiu dar à sua palestra o título “Precisamos cuidar do jardim”, lembrando de uma incumbência que o Criador deu ao ser humano: Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar (
Gênesis 2.15).

E foi baseando-se no de Gênesis que José Vanzella trouxe os primeiros subsídios à discussão. Ele lembrou que nós, seres humanos, fomos acolhidos pela natureza, que existia antes de nós. E, para que tudo fosse criado, há um mandato divino, seguido de uma evolução natural: “Ele diz: ‘Faça-se´. E assim se faz. Então, não é Deus que sai fazendo as coisas. A criação se faz por mandato divino e as coisas tem uma evolução natural”, explicou o teólogo.

Segundo Vanzella, esse mandato divino tem sido muito mal interpretado. É o que acontece, por exemplo quando se lê, no livro de Gênesis, “crescei, multiplicai e dominai a natureza”. “Entendemos a dominação como forma de tirania”, disse Vanzella. O teólogo explicou que Deus não exerce o senhorio pela tirania. “Ele não diz: Ou vocês me adoram, ou vão para o quinto dos infernos, vão virar torresmo no caldeirão do diabo”, brincou o teólogo. “O senhorio divino não acontece dessa maneira. O Senhor Deus cria, possibilita a evolução, abençoa, cuida e resgata”.

O teólogo destacou, ainda, que o livro de Gênesis traz a imagem de um Deus “agricultor”, que planta o jardim do Éden e nele põe o ser humano para que cultive. Mas “cultivar é mais do que plantar e colher” e o ser humano tem criatividade e originalidade para ir além dos determinismos da natureza. “Podemos ir além, para o bem ou para o mal”, alertou Vanzella. Ele exemplificou com a tragédia ocorrida na região serrana do Rio de Janeiro, consequência de ações humanas, e não um determinismo natural. “E se a riqueza destrói a natureza, os afetados não são os mais ricos, mas os mais pobres, pensem nisso!” – disse.

Para refletir sobre a relação – nem sempre harmônica – do ser humano com a natureza, José Vanzella traçou um panorama histórico que voltou à Antiguidade, quando os povos explicavam os processos naturais recorrendo à mitologia. “Para os povos antigos o sagrado está ligado diretamente à condição da vida”, disse ele. Ele explicou que essa é uma concepção bastante diferente da atual, que entende sagrado como “separado”. Para os antigos, o sagrado é o que sustenta a vida. O conhecimento foi alterando pouco a pouco essa relação. O primeiro registro histórico de uso do conhecimento da natureza com o objetivo de se extrair vantagem pessoal é o relato de Tales de Mileto. Observando a natureza, ele notou que haveria uma grande colheita de azeitonas. Alugou todos os celeiros da região e depois os sublocou aos próprios donos por um preço muito maior.
Após a tomada de Constantinopla, no século 13, o comércio de especiarias gera uma nova classe social e um novo poder. Se antes havia apenas o poder temporal dos reis e o religioso dos padres, agora entra em cena o poder econômico, que vai conquistando espaços cada vez maiores.

A filosofia também se desenvolve, estabelecendo novas formas de relação com a natureza. O domínio da natureza avança para o campo metodológico. “E o método é sempre interessado. Não existe metodologia ingênua”, alertou o teólogo. Assim, por exemplo, muitos investimentos se fazem sobre a pesquisa com genoma humano não apenas porque ela pode salvar vidas – esse seria um “efeito colateral”, disse Vanzella – mas, fundamentalmente, porque essa pesquisa pode gerar grandes lucros. “Quando se usa um conhecimento e uma metodologia, sempre existe uma implicação ética”.

Impossível falar de metodologia sem lembrar de Descartes, cujo pensamento nos influencia até os dias de hoje, lembrou o teólogo. “Vamos por partes” seria uma boa frase para resumir a metodologia cartesiana, que privilegia a clareza e a distinção, separando um problema em problemas menores que sejam avaliados um a um. Essa forma de pensar, fragmentária, gerou o dualismo que marca a ação pastoral, afirmou o teólogo. “Somos todos cartesianos. Separamos fé e vida. Por exemplo: a Igreja é uma coisa, a sociedade é outra”. Tal forma de pensar, afirmou Vanzella, manifesta-se numa sociedade farisaica, como aquela dos tempos do profeta Amós, que bradava contra os gananciosos ansiosos por terminar o sábado para que pudessem voltar aos seus negócios fraudulentos, usurpando o pobre (está em Amós 8.4-6). Hoje também vivemos essa farisaísmo, que se apresenta sob vários aspectos e, particularmente, na moral sexual: “Um amasiado (pessoa que não se casou legalmente) não pode comungar, mas um corrupto pode”, criticou.

O poder econômico cresceu e se impôs sobre as demais formas de poder: a política, a informação e até mesmo a religião. “O consumismo é o maior inimigo da natureza, mas contra ele ninguém faz nada”, alertou Vanzella. Ele reconheceu que o consumo atende à necessidades reais, como a alimentação, o vestuário, educação, saúde, transporte. Contudo, existem necessidades que são criadas como, por exemplo, a moda, a “tecnologia de ponta”, a “última geração” que induzem ao consumismo. Não é por acaso, disse o teólogo, que o banco e o shopping são os prédios mais bonitos da cidade, os lugares de culto desse novo paganismo.
Muitos problemas ambientais advém do consumismo. O destino do lixo é um dos principais. Só em São Paulo cada ser humano produz hoje um quilo de lixo por dia. E entra nessa conta o lixo industrial e hospitalar. “Temos a necessidade de desenvolver um outro olhar para o meio ambiente, pois não existe um olhar desinteressado, a gente sempre procura algo, mesmo inconscientemente”. Alguém pode olhar para uma linda mata e nela enxergar a biodiversidade, ou a ação de Deus. Outra pessoa enxergará o lucro advindo do comércio de madeira. “O que determina é a hierarquia de valores”.

A Campanha da Fraternidade busca trazer novos valores ao debate. Ele se insere no contexto da quaresma, que é tempo de autoanálise e conversão. “A quaresma é também conversão externa e social”, destacou o José Vanzella. “Às vezes até conseguimos reconhecer nossas faltas, nossa necessidade de conversão pessoal. Mas quando falamos em conversão social, aí nunca é com a gente”, disse ele. Segundo o teólogo, é necessário eliminar as causas do pecado, relacionando a fé com a vida. Daí a importância de inserir a Campanha da Fraternidade aos gestos fundamentais da Quaresma: o estudo da Palavra, que pode trazer novos valores à sociedade; a oração, valorizando os canais da Graça; o jejum, associado a ações de solidariedade. “Tem gente que não come carne a quaresma inteira. E quando chega na sexta-feira compra um bacalhau com o dinheiro que deixou de gastar em carne. Isso não foi jejum, foi poupança. Para outras pessoas, o jejum é apenas um regime. Isso não é jejum. O que eu não consumi não é mais meu, é objeto de solidariedade”, lembrou Vanzella.
Segundo o teólogo, na busca de uma conversão pessoal, social e eclesial, a Campanha da Fraternidade direciona profeticamente a Escrita da Palavra para a vida concreta. Dessa conversão resulta o Shalom, a paz com Deus, com as pessoas e com a natureza. “Na criação havia paz completa. Deus passeava com o ser humano no jardim. Veio o pecado e acabou o Shalom. Precisamos de novos valores”.

Conclamando o povo de Deus a uma conversão pessoal, social e eclesial, José Vanzella pediu que o auditório cantasse uma música muito conhecida entre os cristãos: “Momento Novo”, de Ernesto Cardoso. A letra diz:

Deus chama a gente prum momento novo
De caminhar junto com seu povo,
É hora de transformar o que não dá mais
Sozinho, isolado, ninguém é capaz.
Por isso vem, entra na roda com a gente também...
Você é muito importante, vem!

Mas José Vanzella pediu que os irmãos e irmãs parassem para pensar no significado da expressão “entra na roda com a gente” . “Temos convidado a sociedade a entrar para a nossa roda”, disse ele. “Está na hora de sairmos da nossa roda e irmos até a sociedade. Tem muita coisa boa lá que a gente despreza. Podemos aprender com eles e levar o Evangelho da Boa Nova”.

Publicado em: 09/01/2010
Fonte: Suzel Tunes
Revista Entheos

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