A demora em realizar ações concretas para que a justiça de transição reforce o estado democrático de direito no Brasil, é uma das raízes das atrocidades que acontecem no Rio Grande do Sul patrocinadas pelo Governo Yeda Crusius e a Brigada Militar.
Aconteceram por ocasião dos 30 anos da Anistia inúmeros atos pelo Brasil, em que a responsabilização dos torturadores, a abertura dos arquivos e a localização dos desaparecidos políticos estiveram em evidência, mostrando que uma revisão histórica sobre o papel que a lei cumpriu no sentido de gerar impunidade está em marcha no país.
O juiz chileno Victor Montiglio ordenou a prisão de pelo menos 120 ex-militares e oficiais da polícia secreta por acusações de abusos dos direitos humanos durante o governo militar de Augusto Pinochet (1973-1990) e no Brasil aguardamos um posicionamento do STF sobre a questão levantada pela OAB, para que a justiça possa agir contra as violações realizadas em nosso país atingindo militantes de organizações que combateram a ditadura.
A justiça de transição preconiza a atuação em 4 frentes simultâneas para termos o resultado que se espera da lei de Anistia de 1979, ou seja, a responsabilização dos agentes públicos que praticaram os crimes de lesa humanidade, a reparação aos atingidos, o direito a memória e a verdade, com a abertura de todos os arquivos sobre o período e a mudança das estruturas, mentalidade e condutas dos órgãos de segurança pública no país, incorporando o respeito à constituição e à pratica dos direitos humanos em suas ações.
A impunidade fere o estado democrático de direito, tanto quanto os crimes de lesa humanidade realizados. A "certeza da impunidade" corrói uma adequação das práticas de segurança pública aos princípios da justiça de transição e dos direitos humanos, proporcionando o atentado ao ordenamento jurídico vigente e os violentos fatos de repressão, torturas e assassinatos que têm acontecido no sul do país.
Para o vice-presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), Percílio de Sousa Neto, conforme relatório parcial produzido após visita ao RS em 2008 para apurar denúncia sobre a criminalização dos movimentos sociais gaúchos, "a ação da polícia gaúcha é um atentado ao Estado Democrático de Direito".
A existência da nota de instrução operacional número 006.1, é expressão do arbítrio que vive o povo gaúcho e fundamentalmente é fruto da impunidade sobre os fatos que vivemos no período da ditadura militar, que abrem o precedente para que condutas que ferem os tratados internacionais assinados pelo país, sejam sistematicamente desrespeitados pela atuação violenta e arbitrária de agentes da Brigada Militar, cumprindo orientação da política de Segurança Pública da Governadora Yeda Crusius.
Já em 2006 a tentativa de apuração de torturas físicas e psicológicas na desocupação da fazenda Guerra em Coqueiro do Sul (RS), gerou intimidação, ameaças de morte e o afastamento da procuradora responsável pela apuração do caso, fazendo com que os responsáveis pelas barbaridades apuradas no inquérito civil nº 0144/2006 fiquem até hoje impunes, uma vez que tal inquérito ou foi arquivado pelo Ministério Público de Carazinho, ou encontra-se com o Procurador Geral de Justiça sem encaminhamento, num flagrante desrespeito à cidadania.
Somente com atitudes firmes contra a impunidade no RS e contra os crimes de lesa humanidade da ditadura militar, é que a justiça de transição se estabelecerá no país, reforçando a construção do estado democrático de direito e a Anistia de 1979 poderá ser página virada na história de nosso país.
Brasil Nunca Mais, não é um frase vazia, é antes de tudo o esforço e luta de tantos brasileiros e brasileiras que se dedicam à construção de um Brasil justo e soberano. Aos mortos, perseguidos e torturados no Rio Grande do Sul nem um minuto de silêncio.
[Denúncia feita ao Ministro Paulo Vannuchi: http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=materia&id=124]
* Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Coordenador do Projeto Armazém Memória