Pesquisadora francesa denuncia poder da maior multinacional de sementes: corrupção de governos, produção de armas químicas, controle de alimentos em nível global
Em entrevista jornal argentino Página 12, a escritora e documentarista francesa, Marie-Monique Robin apresenta seu novo livro, fruto de três anos de profundas investigações sobre o poder de influência da multinacional sobre Governos e o projeto de controle total da produção de alimentos em nível global. Corrupção, produção de armas químicas e controle sobre do que você come são algumas das denuncias feitas pela francesa.
Como define a Monsanto?
É uma empresa delinquente. E digo isso por que há provas concretas. Ela foi muitas vezes condenada por suas atividades industriais, por exemplo, o caso dos PCB, produto que agora está proibido, mas que segue contaminando o planeta. Durante 50 anos, o PCB esteve nos transformadores de energia. E a Monsanto, que foi condenada por isso, sabia que eram produtos muito tóxicos, mas escondeu a informação e nunca disse nada. E é a mesma história com outros dois herbicidas produzidos pela empresa, que formaram o coquetel chamado “agente laranja”, utilizado na Guerra do Vietnã [1959-1975]: ela também sabia que eram muito tóxicos e fez o mesmo. Além disso, a corporação manipulou estudos para esconder a relação entre as dioxinas e o câncer. É uma prática recorrente na Monsanto. Muitos dizem que isso é o passado, mas não é assim, é uma forma de obter lucros que ainda hoje está vigente. A empresa nunca aceitou seu passado, nem responsabilidades sobre ele. Sempre tentou negar tudo. É uma linha de conduta, e hoje acontece o mesmo com os transgênicos e o herbicida Roundup.
Quais são as práticas comuns da Monsanto na ordem global?
Ela tem práticas comuns em todos os países onde atua. A Monsanto esconde dados sobre seus produtos, mas não só isso. Também mente e falsifica estudos sobre estes produtos. Outra particularidade que se repete é que, cada vez que cientistas independentes tentam fazer seu trabalho a fundo sobre os transgênicos, eles sofrem pressões ou perdem seus trabalhos. Isso também acontece nos organismos dos EUA, como a FDA [Administração de Alimentos e Medicamentos] ou a EPA [Agência de Proteção Ambiental]. A Monsanto também é sinônimo de corrupção. Dois exemplos claros e provados são, primeiro, a tentativa de suborno no Canadá, que originou uma sessão especial do Senado canadense, quando se buscava a aprovação do hormônio de crescimento leiteiro. O outro caso ocorreu na Indonésia, onde a Monsanto foi condenada porque corrompeu cem altos funcionários para pôr no mercado seu algodão transgênico.
Não duvidamos que exista mais casos de corrupção onde a Monsanto é quem corrompe.
Você também afirma que a modalidade de “portas giratórias” é uma prática habitual?
Sem dúvida. Na história da Monsanto, sempre está presente o que nos EUA se chama de “a porta giratória”. Um exemplo claro: o texto de regulamentação sobre os transgênicos no país foi publicado em 1992 pela FDA, a agência estadunidense encarregada da segurança de alimentos e medicamentos, que, supõe-se, é muito séria... ao menos eu sempre pensava isso, até antes deste trabalho. Quando diziam que um produto havia sido aprovado pela FDA, pensava que era seguro. Agora sei que não é assim. Em 1992, o texto da FDA foi redigido por Michael Taylor, advogado da Monsanto que ingressou na FDA para isso e, depois, foi vice-presidente da empresa. Um exemplo muito claro de “porta giratória”. Há muitos exemplos, em todo o mundo.
A Monsanto fabricou o agente laranja, o PCB e o glifosato. E tem condenações por publicidade enganosa. Por que ela tem tão boa reputação?
Por falta de trabalho sério dos jornalistas e a cumplicidade dos políticos. Em todo o mundo, é igual.
Por que a Monsanto não fala? Tentou ligar para eles?
Sim, mas não aceitaram perguntas.
Também é o mesmo em todo o mundo. Diante de qualquer jornalista crítico, a Monsanto tem uma só política: “Sem comentários”.
O que significa a Monsanto no mercado mundial de alimentos?
A meta da Monsanto é controlar a cadeia alimentar. Os transgênicos são um meio para essa meta. E as patentes, uma forma de consegui-lo. A primeira etapa da “revolução verde” já ficou para trás, foi a de plantas de alto rendimento com utilização de pesticidas e com contaminação ambiental. Agora, estamos na segunda etapa dessa “revolução”, onde a chave é fazer valer as patentes sobre os alimentos. Isso não tem nada a ver com a idéia de alimentar ao mundo, como se publicou em seu momento. A única finalidade é aumentar os lucros das grandes corporações. A Monsanto ganha em tudo. Ela vende o pacote tecnológico completo, sementes patenteadas e o herbicida obrigatório para essa semente. A empresa te faz firmar um contrato pelo qual te proíbe conservar sementes e te obriga a comprar o Roundup; não se pode utilizar um glifosato genérico. Nesse modelo, a Monsanto ganha em tudo, e é tudo o contrário da segurança alimentar. Aproveitemos para recordar que a soja transgênica que se cultiva na Argentina não é para alimentar os argentinos, é para alimentar os porcos europeus. E o que acontecerá no país quando as carnes da Europa tiverem que ser etiquetadas, sendo que foram alimentadas com soja transgênica? Se deixará de comprar carnes desse tipo, e a Argentina também receberá o golpe, porque a demanda de soja diminuirá.
Você esteve na Argentina, Brasil e Paraguai. Que particularidades encontrou na região?
Deve-se recordar que a Monsanto entrou na Argentina graças ao governo de Carlos Menem [1989-1999], que permitiu que a soja transgênica entrasse sem nenhum estudo. Foi o primeiro país da América Latina. Depois da Argentina, organizou-se um contrabando de sementes transgênicas, de grandes produtores, para o Paraguai e o Brasil, que se viram obrigados a legalizá-las porque eram cultivos que depois se exportavam. E, depois, a Monsanto veio reclamar seus royalties. Foi incrível como se expandiu a soja transgênica na região, e em tão poucos anos. É um caso único no mundo.
Na década de 1990, a Argentina era denominada aluno modelo do FMI. Hoje, com 17 milhões de hectares de soja transgênica e a utilização de 168 milhões de litros só de glifosato, pode-se dizer que a Argentina é um aluno modelo dos agronegócios?
Sim, claro. A Argentina adotou o modelo Monsanto em tempo recorde, é um caso pragmático. Mas também houve alguns problemas com o aluno modelo. Como as sementes transgênicas são patenteadas, a empresa tem o direito de propriedade intelectual. Isso significa, como vi no Canadá e nos EUA, que fazem os produtores firmarem um contrato no qual se comprometem a não conservar parte de suas colheitas para ressemear no próximo ano, o que costumam fazer os agricultores de todo o mundo. A Monsanto denuncia isso como uma violação de sua patente. Então, a corporação envia a “polícia de genes”, que é algo incrível: detetives privados que entram nos campos, tomam amostras, verificam se é transgênico e se o agricultor comprou suas sementes. Se não as comprou, processos são instalados e a Monsanto ganha. É parte de uma estratégia global: a empresa controla a maioria das empresas sementeiras e patenteia as sementes, exigindo que cada camponês as compre.
O que aconteceu aqui é que a lei argentina não proíbe que se guarde sementes de uma colheita e as utilize na próxima semeadura. Em um primeiro momento, a Monsanto disse que não iria pedir royalties, e forneceu, a preços baixos, as sementes e o Roundup. Mas, em 2005, começou a pedir royalties, rompeu o acordo inicial e, por isso, mantém um enfrentamento judicial com seu aluno preferido.
O Roundup tem um papel protagonista nesse modelo. Muitas comunidades camponesas e indígenas denunciam seus efeitos, mas existem poucas proibições. É um impacto incrivelmente silenciado. Ninguém pode negar o que trazem as esterilizações com esse herbicida, totalmente nocivo. Tenho a segurança de que será proibido em algum momento, como foi o PCB. De fato, na Dinamarca já foi proibido, por sua alta toxicidade. É urgente analisar o perigo dos agroquímicos e dos OGM [Organismos Geneticamente Modificados].
Contudo, as grandes empresas do setor prometem, há décadas, que, com transgênicos e agrotóxicos, se conseguirá aumentar a produção, e, assim, acabar com a fome do mundo.
A Argentina é o melhor exemplo dessa mentira. Como tem ido a “sojização” do país? Perdeu-se na produção de outros alimentos básicos, e ainda há fome. Esse modelo é o do monocultivo, que acaba com outros cultivos vitais. É uma transformação muito profunda da agricultura, que leva diretamente à perda da soberania alimentar, e lamentavelmente já não depende de um governo para poder revertê-lo.
Por que você chama o processo agrário atual de “a ditadura da soja”?
É uma ditadura no sentido de um poder totalitário, que abrange tudo. Deve-se ter claro que quem controla as sementes, controla a comida e a vida. Nesse sentido, a Monsanto tem um poder totalitário. É tão claro que até a Syngenta, outra grande empresa do setor e competidora da Monsanto, chamou o Brasil, o Paraguai e a Argentina de “as repúblicas unidas da soja”. Estamos diante de um programa político com finalidades muito claras. Uma pergunta simples o demonstra: quem decide o que se vai cultivar na Argentina? Nem o governo nem os produtores. Quem decide é a Monsanto. E, para piorar, a segunda onda de transgênicos vai ser muito forte, com um modelo de agrocombustíveis que acarretará mais monocultivos. E, a esta altura, já está claro que o monocultivo significa a perda de biodiversidade e é todo o oposto à segurança alimentar. Já não há dúvidas de que o monocultivo, seja o da soja ou para o biodiesel, é o caminho para a fome.
Qual é o papel da ciência no modelo do agronegócio, onde a Monsanto é só sua cara mais famosa?
Antes, eu pensava que, quando um estudo era publicado em uma prestigiosa revista científica, se tratava de um trabalho sério. Mas não. As condições em que se publicam alguns estudos são tristes, com empresas como a Monsanto pressionando os diretores das revistas. No tema transgênico, fica muito claro que é quase impossível realizar estudos. Em muitas partes do mundo, nos EUA ou na Argentina, os laboratórios de investigações são pagos por grandes empresas. E, quando o tema é sementes, transgênicos ou agroquímicos, a Monsanto sempre está presente e sempre condiciona as investigações.
Os cientistas têm medo ou são cúmplices?
Ambas as coisas. O temor e a cumplicidade estão presentes nos laboratórios do mundo. No livro, deixo claro que há cientistas, em todos os países, cuja única função é legitimar o trabalho da empresa.
Qual é o papel dos governos para que empresas como a Monsanto avancem?
Os governos são os melhores propagandistas dos OGM. Realizam um trabalho de lobby incrível. A Monsanto leva seus estudos, sua informação, suas revistas e fotos, tudo muito lindo. E diz aos políticos que não haverá contaminação e que salvará o mundo. E os políticos fazem a parte deles. Também há pressões. Deputados franceses denunciaram publicamente as pressões da Monsanto; até reconheceram que a companhia contatou cada um dos 500 deputados para que legislassem segundo os interesses da empresa.
E o papel dos meios de comunicação?
Me dá muita pena, porque sou jornalista e acredito no que fazemos, acredito que é uma profissão com um papel muito importante na democracia, mas há uma grande manipulação dos meios. Em tudo o que se refere aos transgênicos, a imprensa não trabalha seriamente. Os meios olham a propaganda da Monsanto e a publicam sem questionamentos, como se fossem empregados da empresa. Também é público que a Monsanto convida os jornalistas para comer, lhes dá presentes, os leva de viagem a Saint Louis (onde está sua sede central); os jornalistas vão muito contentes, passeiam pelos laboratórios, não perguntam nada e vão embora. Assim funciona a relação dos meios com a Monsanto. Também registrei casos nos quais a empresa busca, em cada meio de comunicação, um defensor. Estabelece contato com ele e consegue opiniões favoráveis. Não sei se há corrupção, mas sei que a Monsanto consegue seu objetivo. Na Argentina, é claro como atua. Ao se ler alguns artigos de suplementos rurais, vê-se, em lugar de artigos jornalísticos, publicidades da Monsanto. Não parece que um jornalista o escreveu; foi diretamente a companhia.
Que avaliação você faz do enfrentamento entre o governo argentino e as entidades patronais do agronegócio?
Em 2005, entrevistei Eduardo Buzzi, e ele estava furioso pelo assunto dos royalties reclamados pela Monsanto. Falava das trapaças da Monsanto. E, além disso, dos problemas que a soja trazia. Até me pôs em contato com pequenos produtores, que me falaram das mentiras da Monsanto, da resistência que as ervas daninhas mostravam, que era preciso utilizar mais herbicidas e que os campos ficavam como terra morta. Buzzi sabia tudo isso e me dizia que questionava esse modelo, afirmava que a soja trazia a destruição da agricultura familiar. Me dizia que a Federação Agrária representava esse setor, e que ele enfrentava os pools de semeadura e as grandes empresas. Mas, agora, não é o que acontece. Nunca o voltei a ver, mas gostaria de perguntar-lhe o que lhe aconteceu para, agora, unir-se às entidades maiores. Me estranha muito a mudança que mostra. Além disso, Buzzi está com a Aapresid [Associação Argentina de Produtores de Semeadura Direta – integrada por todas as grandes empresas do setor, incluindo as de sementes e agroquímicas], que é a que mais ganha com todo esse modelo, e que apareceu pouco nesse conflito. A Aapresid manipula tudo e está com os grandes sojicultores, que não são agricultores, e que até promovem um modelo sem agricultores. Então, não entendo como a Federação Agrária diz representar produtores pequenos e está com a Aapresid. Essa da Federação Agrária é muito estranho, não se entende.
E o papel do governo?
As retenções podem ser que freiem algo do processo de “sojização”. Mas não é uma solução diante de um modelo tão agressivo. A solução tem que ser algo muito mais radical e não a curto prazo. Claro que a tentação dos governos é grande, a soja traz bons rendimentos, mas deve-se pensar a longo prazo. Não há soluções simples e de curto prazo para um modelo que tira camponeses de suas terras e, mediante esterilizações, contamina a água, a terra e a população.
Dario Aranda - Argentina - fonte Jornal Brasil de Fato 16 a 22 de Abril de 2009
O que nos aborrece é a passividade da maioria da população diante de fatos graves como esse a mordaça da midia e a omissão do estado.
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