sábado, 26 de maio de 2012

Abolição da escravatura e as igrejas evangélicas


O Brasil completou, no domingo, 13 de maio, 124 anos da abolição da escravatura. Entretanto, essa abolição não apresentou nenhum projeto de inserção de negro na sociedade. O negro continua na margem da riqueza produzida pela sociedade brasileira, situação reforçada pelas nossas igrejas na cumplicidade e omissão perante a escravidão e anos de racismo no Brasil.
Os primeiros protestantes chegaram ao Brasil ainda no período da escravidão. Era um grupo composto principalmente por defensores da escravidão, omissos, e poucos abolicionistas. No geral, os protestantes não tiveram um papel relevante na abolição da escravatura. Conhecer esse passado da Igreja protestante no Brasil pode nos ajudar a entender a relação da Igreja evangélica brasileira com o negro: sua cumplicidade na escravidão, sua omissão no passado e no presente diante do racismo, e seu silêncio no púlpito sobre a temática negra.
Vejamos cinco casos da questão racial no Brasil, de repercussão nacional, que as igrejas evangélicas foram e são omissas:


No centenário da abolição da escravatura
Em 1988, ano em que se comemorava o centenário da abolição da escravidão no Brasil, as igrejas evangélicas perderam uma grande oportunidade rumo à remissão dos cem anos de omissão com relação ao povo negro. Os movimentos negros naquela ocasião buscavam uma oportunidade à reflexão, não era um momento festivo. A Igreja Católica lançava a Campanha da Fraternidade: "Ouvi o clamor deste povo", com a temática negra. Enquanto as igrejas evangélicas repetiram o que fez cem anos antes na "abolição da escravatura", mais uma vez omissa, ficando de fora, perdendo o seu testemunho cristão e o bonde da história.
Nas questões dos quilombolas
O quilombo constitui questão relevante desde os primeiros focos de resistência dos africanos ao escravismo colonial, e retorna à cena política durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão importante na luta dos afrodescendentes. Nos últimos 20 anos, os descendentes de africanos organizados em associações quilombolas, em todo o território nacional, reivindicam o direito à permanência e ao reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas para moradia e sustento, bem como o livre exercício de suas práticas, crenças e valores considerados em sua especificidade.


Com exceção da Igreja Anglicana, que na carta “Igreja Anglicana em defesa dos Quilombolas”, de abril de 2009, assinada pelo seu bispo primaz e dirigida ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Ação de Inconstitucionalidade apresentada pelo DEM (ex-PFL), as demais igrejas continuaram totalmente omissas em relação à questão dos quilombolas.






Na questão da intolerância religiosa
Outro tema preocupante é a intolerância religiosa, sobretudo em relação a seguidores de religiões de matriz africana. Um dos casos de maior repercussão foi o que vitimou a yalorixá Gildásia dos Santos, a Mãe Gilda. Sua morte gerou indignação de lideranças de diversas religiões, processo na Justiça e, como forma de reconhecimento, a instituição do dia 21 de janeiro como Dia Municipal de Luta contra a Intolerância Religiosa – que depois ganhou também um reconhecimento nacional.
Sabemos que a intolerância religiosa pode resultar em perseguição religiosa e ambas têm sido comuns na história. A maioria dos grupos religiosos já passou por tal situação numa época ou noutra. Os próprios evangélicos eram chamados de bodes, nova seita. Bíblias eram confiscadas e queimadas na praça das cidades. Muitos tiveram suas casas incendiadas criminosamente, seus bens extraviados, suas vidas vilipendiadas. Essas mesmas igrejas hoje, omissas e até mesmo intolerantes, não podem esquecer que as igrejas evangélicas já foram perseguidas pelo ímpeto da intolerância.


Na crença da maldição do povo negro e africano
Dizem que a maldição de Cam está sendo simplesmente cumprida na medida em que os negros vivem para servir a outras raças, particularmente aos brancos. George Samuel Antoine, cônsul do Haiti no Brasil, numa entrevista veiculada pelo SBT, apontou como possível causa do terremoto certa maldição que pesa sobre o povo africano. Ao fazer tão infeliz comentário, o cônsul não sabia que ainda estava sendo filmado. Na mesma direção o tele-evangelista estadunidense Pat Robertson explicou as "desgraças" haitianas como sendo consequência de "pactos" ocorridos há 200 anos entre os haitianos e o demônio. Também o pastor e deputado federal, Marco Feliciano, disse no Twitter que “africanos descendem de ancestral amaldiçoado". O parlamentar, que é pastor e empresário, afirmou: "Sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids, fome..."
Entretanto, a questão que fica é: de onde vem essa ideia de maldição dos negros? Essas ideias vieram dos missionários, sulistas racistas, que tinham a escravidão como instituída por Deus para justificá-la, baseando-se em argumentos teológicos de que o povo negro era da descendência de Cam, filho de Noé, amaldiçoado para serem escravos dos escravos. O mais triste de tudo isso é que nenhuma denominação protestante ou liderança evangélica se manifestou diante dessas declarações. Mais uma vez as igrejas foram omissas, reforçando uma doutrina diabólica aceita por muitos crentes dentro dos seus templos.


Na questão das cotas
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre cotas marca um momento histórico. A mais alta corte de Justiça do país admitiu não só que existem brasileiros tratados como cidadãos de segunda classe, mas que eles têm direito a um tratamento especial para vencer a desigualdade. As ações afirmativas ou sistema de cotas é certamente o assunto mais polêmico quando se trata do ingresso de negros no ensino superior no Brasil. O STF julgou a constitucionalidade das cotas aplicadas na Universidade de Brasília desde 2004: 20% das vagas para "negros e pardos". O partido Democrata (DEM) tinha acusado a medida de ser anticonstitucional.
Outra vez as igrejas evangélicas ficaram de fora de mais uma grande questão do povo negro, omissas e silenciosas. Agindo como na parábola do bom samaritano narrada por Jesus nos evangelhos: passando de largo diante das questões dos negros e das negras.


As organizações ecumênicas Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e Koinonia têm realizado diversas ações referentes às questões dos quilombolas e à intolerância religiosa, mas elas não falam pelas igrejas evangélicas. São vozes proféticas, solidárias e solitárias que são criticadas por essas igrejas por suas ações na questão racial.
Hernani Francisco da Silva

segunda-feira, 14 de maio de 2012

MÃES DE PRESOS, MÃES DE PRESAS, MÃES PRESAS

Não tenho dúvida em afirmar que a pessoa presa pode perder tudo: liberdade, casa, emprego, amigos, parentes, e assim por diante. Mas há alguém que não a abandona: sua mãe. Diria mais, a mãe vai presa com ela ou com ele.
O Brasil conta hoje com mais de 400 mil presos, a maioria composta por jovens entre 18 e 25 anos. Muitos deles, ao ingressarem nas prisões, são esquecidos pela comunidade de onde vieram. Em São Paulo, a situação se agrava, pois as penitenciárias distam até 12 horas de onde vivem os familiares. A enorme distância constitui um dos fatores de maior desagregação dos presos em relação à família e à comunidade à qual originalmente pertencem.
No entanto, as mães não medem sacrifícios para assistirem os seus filhos, ainda que estejam presos em outros estados. De fato, mesmo formando uma massa empobrecida, sem recursos para manter-se, percorrem longos caminhos para estar com seus filhos mesmo que somente por duas ou três horas.
A peregrinação das mães, especialmente no Estado de São Paulo, começa na sexta-feira, quando se reúnem num mesmo local para tomar o ônibus que as levará até a penitenciária. Continua durante a viagem, nem sempre tranqüila, pois frequentemente são paradas pela polícia para revista. Afinal, são “mães de criminosos”.
Aí se inicia as humilhações que prosseguem até a entrada da penitenciária, onde são revistadas, com a utilização de métodos incompatíveis com a dignidade da pessoa humana, como por exemplo, sentarem nuas em um banquinho detector de metais ou agachar por duas ou três vezes diante de funcionárias que nem sempre as tratam com respeito devido a todo ser humano.
A vontade e a necessidade de ver os filhos fazem com que as mães se submetam a tratamentos degradantes. Mesmo depois das humilhações na viagem e na entrada da prisão, caminham em filas até os pavilhões internos sob os olhares indiferentes de alguns funcionários, ou mesmo sob ofensas verbais. Presenciei um dia um dos funcionários chamá-las de “lixo”.
Para muitos presos, esses são os únicos momentos de alegria durante o longo tempo de cumprimento de suas penas.

Os presos artistas, quando chega o dia das mães, enchem as paredes dos pavilhões com papéis decorados e lindas mensagens. É a maneira que eles encontram de homenageá-las. A visita é tão importante que, se a administração penitenciária quiser provocar uma rebelião, basta suspender as visitas e pronto, está armada a confusão. Pode se tirar tudo do preso, menos o direito de ver suas mães.
Há, porém, o outro lado da história. Não é incomum encontrar a situação de mães que vão ao presídio visitar seus filhos e recolher o leite que ele deixa de tomar para entregá-lo à sua genitora, pois é sabedor de que ela, lá fora, passa por mais necessidades do que ele, cá dentro.
Ser mãe de preso não é de fato uma experiência agradável, afinal, ninguém deseja ter um filho preso, dificuldade maior passam as mães presas. Elas e seus filhos.
A mulher sofre muito mais as conseqüências do aprisionamento do que os homens. E isso por duas razões:
Primeiramente porque representa apenas 5% da população prisional e, por esse motivo, não recebem a mesma atenção das autoridades oferecida aos homens, sua voz não se faz ouvir ante as autoridades constituídas, as quais reservam a quase totalidade de seus recursos para as prisões masculinas.


Geralmente, às mulheres são destinadas, abandonadas ou já condenadas para outros usos tais como conventos, seminários, unidades de internação de menores, penitenciárias masculinas que já não servem para os fins a que foram construídas, mas agora custodiam mulheres.
Além disso, a vulnerabilidade da mulher em relação à saúde supera muito a do homem, pois necessita de cuidados especiais. O fluxo menstrual e a gravidez são suficientes para recordar a indispensabilidade de ginecologista e obstetra.
Em segundo lugar está o abandono quase total a que as mulheres são submetidas. Se os homens recebem visitas de suas mães e esposas as mulheres só tem visitas de suas mães, os esposos, não poucas vezes esquecem-na.
Os homens em São Paulo estão em penitenciária ou em centros de detenção provisória. Já grande parte das mulheres presas, principalmente aquelas que são mães, para não perder o contato com os filhos, permanecem em carceragem da polícia civil espalhadas pelo estado, prisões essas sem condições para abrigar seres humanos. Essas mulheres sacrificam seu próprio bem estar, aceitando viver em lugares insalubres e superlotados para poder ver seus filhos uma vez por semana.

Delicado também é o estado das mães presas e grávidas. Poucas recebem atendimento pré-natal e isso tem levado invariavelmente a abortamentos e complicações no parto.
Muitas por falta de médicos na unidade prisional e escolta para levá-las para o hospital, iniciam o trabalho de parto na cela mesmo e têm seus filhos com a ajuda de outras presas.
Para aquelas que alcançam a graça de ver os seus filhos nascerem, podem passar até seis meses amamentando; em São Paulo são apenas quatro meses, depois, a família recolhe a criança ou o juiz da infância e o Conselho Tutelar assumirão o seu destino.
No ano passado, tivemos de assistir a um triste fato no interior de São Paulo. As mulheres eram levadas ao hospital e, depois do parto, eram separadas de seus filhos e recebiam uma injeção para secar o leite.
Por fim, quero lembrar das mães de presos que também estão presas. São poucos os casos, mas existem. Sofrem as mães, sofrem os filhos. Geralmente essa situação ocorre quando o filho assume dívida dentro da prisão, sua mãe, para não ver o filho morto por seus credores, aceita a indigna tarefa de transportar no corpo drogas para dentro da prisão e, assim, saldar a dívida. No entanto, são presas no ato da revista na unidade prisional e levadas diretamente para a prisão.
Pode parecer desagradável dizer essas coisas no mês das mães, mas desagradável mesmo é a realidade delas.
E se chamamos a atenção para esses fatos, é porque sonhamos que um dia não precisaremos mais contá-los.
Mães, feliz dia!
Por José de Jesus Filho
Assessor jurídico e membro da coordenação nacional da Pastoral Carcerária

Adital - Brasil

domingo, 6 de maio de 2012

Religião e política no Brasil: o novo paradigma dos movimentos sociais

por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)
"A partir da minha pesquisa, posso dizer que os movimentos sociais estão abandonando o discurso religioso, utópico, marxista-cristão e assumindo aos poucos, o discurso pragmático-capitalista neoliberal. Então, o discurso da maioria dos militantes é praticar uma política pragmática, embora muitas vezes eles nem se deem conta disso", afirma o pesquisador do PPG em Ciências Sociais da Unisinos.
Confira a entrevista.
Num país como o Brasil, em que 92% dos brasileiros se declaram religiosos, é difícil desvincular a religião do debate político. Essa relação de proximidade pode ser explicada, em parte, pela religiosidade popular e pela influência que o catolicismo e as religiões protestantes tradicionais exerceram na constituição dos movimentos sociais brasileiros a partir da década de 1980, sob influência do marxismo e da Teologia da Libertação.


\Apesar da influência religiosa, na última década os movimentos sociais "estão abandonando o discurso religioso, utópico, marxista-cristão e assumiram o discurso pragmático-capitalista neoliberal", assinala o psicólogo e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, Nadir Lara Junior. Segundo ele, três fatores explicam a mudança na atuação dos movimentos sociais: a eleição do presidente Lula à presidência da República com a incorporação dos movimentos sociais ao Estado; as ações políticas administrativas do Papa João Paulo II, que culminaram num recuo da Igreja em relação às Comunidades Eclesiais de Base - CEBs; e a ascensão dos evangélicos no cenário religioso. Novamente, a religião voltou a exercer influência na política, a partir doboom do movimento neopentecostal, que chegou aos movimentos sociais "com um arcabouço político, ideológico, religioso de sua matriz neopentecostal, que é extremamente pragmática".

Diante dessas mudanças conjunturais, a formação dos militantes dos movimentos sociais passou a ser "instrumental, ou seja, uma formação para ensinar o militante a se movimentar dentro das burocracias das políticas públicas. (...) De certa forma, os movimentos sociais se reduzem a formarem seus quadros não na oposição, na crítica, na política, mas sim numa certa subserviência travestida de participação política. A política pública virou a participação política", avalia.

Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line, o pesquisador também comenta a ascensão da bancada evangélica no Congresso e a influência da religião nas eleições municipais deste ano. "Não adianta os candidatos laicos criticarem os candidatos religiosos, ainda mais num momento em que o Estado laico está mostrando uma dimensão de desonestidade política muito assustadora. Quando você debate com um candidato assim, não sabe se ele é de esquerda, de direita, de centro, se ele está agradando você porque ele quer seu voto ou porque quer lhe ludibriar. Então, essa diluição da fronteira política no Estado laico faz com que os candidatos religiosos cresçam, porque eles não omitem a sua ideologia", aponta.

Nadir Lara Junior é graduado em Psicologia, mestre e doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, com a tese A mística do MST como laço social. É professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos.
http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=1&noticiaId=3358